Que mundo queremos? Eu, você, nós!
A ressignificação da velhice em um mundo que favorece o prolongamento da vida: a necessidade de reformular sentimentos e valores.
Por Rosa Lidia Pontes.
Como tudo começou
Tudo, mas tudo mesmo, começa bem lá atrás.
Creio que o que nos motiva a desenvolver qualquer trabalho tem a ver com nossa história de vida, nossos sentimentos, valores, que vão se instalando e se desenvolvendo desde a tenra idade.
Meu “interesse” pela velhice já aparecia em minha infância, quando me sensibilizava ao encontrar “velhinhos” pela rua, entabulando longas conversas e, se possível, levando-os para meu convívio, o que causou alguns episódios constrangedores para minha mãe, que se via recebendo estranhos em casa.
Mais tarde, pensei em criar um espaço de convivência para idosos, não como “depósito” para aqueles já adoentados, demenciados, mas para aqueles que gostariam de usufruir do convívio de outros da mesma idade com quem se identificassem e não só pudessem compartilhar suas ideias e sentimentos, mas também desenvolver seus aspectos criativos. Não pude levar a ideia adiante, pois nessa época estava com filhos pequenos que necessitavam minha atenção.
Atualmente, já sou considerada cronologicamente “velha” (na rua, já se referem a mim como vovó, tenho alunos e pacientes que já poderiam ser meus netos!).
É normal, uma vez que em nós é o outro que é velho, que a revelação de nossa idade venha dos outros. Não consentimos nisso de boa vontade. Uma pessoa fica sempre sobressaltada quando a chamam de velha pela primeira vez. (Beauvoir, 1990).
Confesso que tive certa, para não dizer muita, dificuldade em aceitar que já sou uma idosa: não me vejo assim! O que será que isso quer dizer?
Precisava entender melhor essa questão.
Já tenho bem mais de 60 anos (um dos marcos sociais para se considerar uma pessoa idosa); já perdi importantes pessoas, quer seja por morte (pai, mãe, marido, todos os tios, alguns primos e vários amigos), quer seja por contingências da vida (filhos que desenvolvem suas vidas e carreiras em outras cidades, estados e até países), o que pode ser considerado um outro referencial. Somente ainda não me aposentei completamente, tendo apenas diminuído o ritmo de trabalho. Muitos de meus ídolos também já se foram, e vivo em um mundo muito diferente, outro ritmo, outros valores…
Oras, como assim, não me vejo velha?
Um bom começo de reflexão!
Daí nasce este estudo.
“A coisa mais moderna que
Existe nesta vida é envelhecer.
Não quero morrer pois quero ver
Como será que deve ser envelhecer.” (Arnaldo Antunes, citado em Durgante, 2015, p. 105)
E agora, qual foi o gatilho?
“A ideia de que o amor e a espontaneidade são apenas para os jovens, que os idosos devem se preparar para a morte, é uma crueldade antiquada”.
(Jacob Levy Moreno, Sociometria, método experimental e a ciência da sociedade: abordagem para uma nova orientação política, 2020).
Em 2020, a Febrap – Federação Brasileira de Psicodrama – lançou em seu 20º Congresso a edição brasileira de um livro até então inédito em nossa língua: “Sociometria, método experimental e a ciência da sociedade: abordagem para uma nova orientação política”, de J. L. Moreno. Ao entrar em contato com a obra não pude deixar de sentir orgulho em ter escolhido como mestre esse grande homem, que já naquela época (textos das décadas de 20, 30 e 40) defendia ideias revolucionárias em relação a antropologia, ontologia e epistemologia e criava a Sociometria, na contramão das ideias cientificistas. Mas, particularmente dois capítulos calaram fundo, disparando o gatilho que eu precisava: Organização do Átomo Social, datado de 1936, e Átomo Social e Morte, de 1947. (Moreno, 2020, pp. 87 a 91).
Para dar a você, leitor, uma ideia de como fui afetada, julgo necessário situar aqui a ideia central de Átomo Social, que obrigatoriamente fará referência ao conceito de Papel e a suas vinculações, evidenciando como o autor compreende a constituição do Eu.
Para Moreno, o homem é um ser social, que ao nascer instala-se necessariamente em um grupo social, do qual alimenta-se física e emocionalmente. É nesse meio, constituído por fatores materiais, sociais e psicológicos, que inicia um processo em que gradativamente vai se reconhecendo como semelhante aos demais seres humanos e como um ser único, idêntico a si mesmo. É o ponto de partida para o seu processo de definição como indivíduo.
Os primeiros anos de vida, principalmente a partir do início da dimensão relacional da personalidade, são importantes, na medida em que é o período em que a criança aprende os papéis que irá desempenhar depois, tornando-se evidente, portanto, o papel da família na formação da personalidade que está se estruturando.
Moreno apontava que, no longo período de maturação por que passa, a criança necessita de “eus” auxiliares que no processo interrelacional vão introduzindo-a na cultura a que ela pertence. É uma aprendizagem que se dá inconscientemente tanto por parte da criança aprendiz, quanto do adulto que ensina: a criança assimila a cultura que seus pais ou responsáveis lhe transmitem. “Se a cultura se define pelos papéis que nela existem, devemos concluir que a integração numa cultura se faz através da adoção de papéis.” (Moreno, 1936, p. 216, citado em Martín, 1984).
O papel pode ser definido como as formas tangíveis e concretas assumidas pelo eu. Assim, podemos entendê-lo como as formas funcionais que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, em que outras pessoas ou objetos estão envolvidos. A representação simbólica dessa forma de funcionamento, percebida pelo indivíduo e pelos outros, é chamada papel. (Moreno, 1936, pp. 112-113, citado em Fox, 2002).
A existência do indivíduo, postulava Moreno, realiza-se pelo desempenho de um papel na sociedade, que se insere em uma cultura.
Esse enfoque se funda no princípio de que o homem tem um papel a desempenhar, cada indivíduo se caracteriza por uma certa variedade de papéis que regem seu comportamento e cada cultura se caracteriza por uma série de papéis que, com maior ou menor êxito, impõe a todos os membros da sociedade. (Moreno, 1936, p. 210, citado em Martín, 1984).
O homem, então, como ser social, que depende do outro para viver e sobreviver, cria e se adapta a regras de convivência. Essas normas impõem formas de agir ou condutas, cujo modo concreto de aceitação surge na adoção de papéis. Algumas vezes esses papéis podem ser escolhidos; em outras, são impostos, mas sempre a sociedade, num ou noutro caso, exige uma conduta específica para cada um.
Moreno (1975, p. 25) afirma que “o desempenho de papéis é anterior ao surgimento do eu. Os papéis não emergem do eu; é o eu quem, todavia, emerge dos papéis”.
Dessa forma podemos chegar ao conceito de Átomo Social, que o autor define como sendo a menor unidade social, e não o indivíduo, contrariamente ao que antes se pensava.
Moreno considera que o Átomo Social envolve não somente um sujeito, mas também as pessoas com as quais este está interrelacionado naquele momento, sempre aquelas com quem tenha um relacionamento com sentimento.
A configuração das relações interpessoais que se desenvolvem desde o instante do nascimento é chamada “átomo social”. Este átomo engloba inicialmente a mãe e a criança. Progressivamente estende-se às pessoas que entram no círculo de familiares da criança, que lhes são agradáveis ou desagradáveis ou, ao contrário, a quem ela é agradável ou desagradável. As pessoas que não causam impressão, nem positiva nem negativa, permanecem como meros “conhecidos”, fora do átomo social. Existe, pois, uma estrutura característica baseada no tele e uma constelação sempre mutável. (Moreno, 1993, p. 331)
Segundo o autor, este ser humano já nasce envolto em uma estrutura de relacionamento, que permanece em contínua expansão à medida que ele vive de forma mais concreta, ampliando sua rede de relações. No entanto, “a consistência desses átomos sociais muda conforme envelhecemos, especialmente a capacidade de substituir a perda de um membro”. Na juventude o ser parece ter maiores recursos, de tal forma que quando um indivíduo sai, outro cumprindo um papel semelhante entra tomando o lugar. “A reparação parece ocorrer quase automaticamente”, exceção feita quando a perda se refere a um membro que cumpre uma determinada função: neste caso raramente ocorre uma substituição.
Neste momento, Moreno se refere particularmente à velhice, afirmando que nessa etapa da vida há maior dificuldade em substituir pessoas perdidas que tiveram papéis importantes. É o que denominou de fenômeno da morte “social”, o “encolhimento” do átomo social, assegurando a existência de uma morte “por fora”.
Um indivíduo pode começar a perder coesão de seu átomo social por várias razões: a) perda de afeto, b) substituição por outro indivíduo não tão apropriado e c) morte. A morte de um indivíduo membro é frequentemente uma perda permanente, o choque resultante é raramente considerado em seu total significado. Se sobrevivermos aos que amamos ou odiamos, morremos um pouco com eles quando sentimos a sombra da morte marchando de uma pessoa do nosso átomo social para outra. (Moreno, 2020, p. 38).
Este foi o grande gatilho.
O Envelhecimento
1 -Dados estatísticos:
De acordo com o IBGE (citado em Durgante, 2015, p. 16), a previsão é de que em 2030 o Brasil contará com 41 milhões de idosos, e em 2050, 64 milhões, sendo que atualmente já ultrapassou a marca de 23 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Ainda segundo esse instituto, a expectativa de vida vem aumentando: 65% dos homens e 78% das mulheres ultrapassam os 60 anos de idade. O tempo de velhice da população já pode ser mais longo que a infância e a adolescência juntas.
Durgante (2015) cita uma pesquisa realizada na França segundo a qual, dentre os 5.500 participantes com idades entre 55 e 79 anos, 76% sentiam-se jovens. Entre 70 e 74 anos, o percentual foi de 62% (parece que eu não sou a única a não me sentir velha!).
2 -Velhice cronológica, velhice burocrática e velhice social
Em busca de parâmetros para se definir essa etapa da vida, são encontradas três formas de enquadramento: Velhice cronológica, velhice burocrática e velhice social
Pode-se perceber que o mesmo termo pode referir-se a diferentes contextos: a velhice cronológica, na maioria das vezes utilizada como referência, diz respeito à passagem do tempo (“Kronos”); a velhice burocrática, marcada pela aposentadoria ou pela menor necessidade de cuidado dos filhos (já independentes); e a velhice social, determinada pela diminuição dos contatos afetivos sociais. Essa complexidade na definição não necessariamente revela uma consideração sob vários ângulos, mas talvez reflita a conjugação de todos os aspectos e não algum especificamente. Além disso, todas as formas tendem a ser generalizadoras e, portanto, merecedoras, ao menos inicialmente, de uma análise crítica, principalmente quando nos vemos inseridos em um mundo de rápidas mudanças.
Tomando o referencial “velhice cronológica”, proponho dois aspectos aos quais dedicarei uma breve reflexão: o primeiro de ordem mais prática e observável e o segundo mais filosófico e humano. Do ponto de vista prático e até histórico enquanto saber, a abordagem da velhice esteve baseada no discurso das ciências médicas, que se atém a etapas do desenvolvimento humano, observando padrões biológicos: características da infância, da adolescência, da maturidade e da velhice de forma genérica. Esse referencial, além de desconsiderar características sociais e individuais que definem cada ser humano como um indivíduo, ainda se encontra neste momento muitas vezes defasado em relação aos avanços da própria medicina, que tem sido determinante para o aumento da longevidade saudável: vacinação de idosos, programas de valorização e saúde, distribuição de medicamentos para doenças crônicas, ênfase nos cuidados alimentares.
Do ponto de vista humano e filosófico deparamos com a constatação de que viver é envelhecer. É um processo: a cada dia que passa estamos mais velhos. Segundo Pedro Paulo Monteiro (2005, p. 59), “mesmo que tentemos ordenar, cercar, delimitar, o que é humano não pode ser medido, contado, estabelecido por regras estanques. Sem movimento de passagem o humano não é humano. O que é vivo só tem sentido quando é dinâmico”.
O autor se refere criticamente à dimensão temporal Kronos, a que estuda o tempo por ordem de acontecimentos, referenciando-se em um modelo fragmentado e parcelado. É o tempo do relógio. Ao falar do ser humano, refere-se à dimensão Kairós, um tempo não-consensual, vivido:
É o tempo da história individual, idiossincrática, colorida pela escolha do sujeito. O tempo do ser é aproveitado, saboreado, sentido, bem utilizado porque é o momentum que se tem e que se é. Viver no próprio tempo é viver consigo mesmo. (Idem, p. 61).
Em relação ao referencial velhice burocrática, verifica-se que os indivíduos, ao se aposentarem ou deixarem de exercer suas funções de criadores e educadores de filhos, muitas vezes sentem terem perdido seus lugares sociais. Temos aqui que adentrar ideias preestabelecidas do que “é ser útil”, dos pré-conceitos relativos à velhice, que remontam muitas vezes às antigas sociedades rurais, em que o velho que não servia mais para a produção, tornava se “uma boca a mais para alimentar” (Imamura, 1983).
Atualmente, em nosso país encontram-se frequentemente famílias inteiras que sobrevivem graças à aposentadoria de um pai ou mãe idosos. Ao mesmo tempo, pesquisas demonstram que o cérebro dos idosos pode até ser tão rápido quanto os dos jovens em alguns aspectos, o que lhes permite exercer inúmeras atividades em uma sociedade baseada em serviços. Apesar disso, o idoso continua a carregar o estigma.
Conforme Abreu (2017, p. 29): “os preconceitos e falácias a respeito da velhice dominam igualmente crianças, jovens, maduros e velhos – sim, eles próprios têm preconceitos a respeito desta fase da vida”.
Deflagra-se assim a interação indivíduo x sociedade: conceitos e valores vão sendo introjetados e vividos como verdades. Narro (1996) explica que esse é um “processo pelo qual um indivíduo adquire condutas, crenças e valores que são avaliados em seu contexto social, seja na família, seja no grupo cultural a que pertence”.
Gonçalves (2003, p. 61) acrescenta: “o papel que um indivíduo desempenha está relacionado à conduta “preestabelecida” pela sociedade na qual ele está inserido e determinado pela sua posição social”.
Segundo o Dicionário Houaiss (2001), a palavra “velho” se refere ao que tem muito tempo de vida, que é antigo, que está deteriorado, desgastado, desatualizado, contrapondo-se ao que é novo, moderno. Já no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa “velho” encontra se definido como remoto, antigo, idoso, antiquado, gasto pelo uso.
As referências citadas acima vêm demonstrar o quanto a denominação de “velho” pode ser empregada como um rótulo que tende a diminuir a imagem do idoso, e aí pode se abordar a velhice social. Eufemisticamente outros termos vêm sendo utilizados para designar o que é na verdade uma das etapas da vida – expressões como melhor idade, terceira idade, 60+. No entanto, não têm conseguido disfarçar o estigma social.
Os papéis desempenhados pelos indivíduos em todas as fases de vida são de extrema importância para a preservação da autoestima e é na velhice que muitos papéis sociais tendem a “desaparecer”. Muitas perdas são experimentadas nessa fase: morte do cônjuge, de amigos, perda de trabalho, diminuição de poder aquisitivo, deterioração de aspectos físicos.
A esse respeito, Carolina M. Campos de Oliveira observa:
Em consequência destas rupturas surgem inevitáveis sentimentos de dor e abandono que, como citado anteriormente, são reforçados pelos estereótipos culturais. Dessa forma, a experiência reflexiva proporcionada pela velhice pode ficar fixada e impregnada por essas perdas, colocando o idoso em uma posição de estagnação, reprimindo suas possibilidades de existir e se projetar. (Oliveira, 2003, p. 45.)
Os idosos vêm sendo definidos não pelo que são, ou pelo que podem, mas pelo que não são e não podem, o que os leva a não investirem no presente, nem projetarem o futuro. Ideias que os rotulam como indivíduos que só têm passado, lembranças para rememorar, aguardando a morte como futuro.
Culturalmente não existe clareza sobre todo o ciclo da vida. Os indivíduos são treinados apenas para fases de sua existência até os 50 anos, em que há como que um script social: deveres como estudar, adquirir uma profissão, casar-se, ter filhos e até mesmo se aposentar. Mas e o depois? Qual a orientação para a etapa de vida posterior que vem se delineando como o maior tempo da existência humana?
A saúde psicossocial do idoso: um olhar psicodramático para o envelhecimento e velhice
Atualmente já se encontram na literatura especializada críticas à redução da compreensão e do tratamento da velhice e do envelhecimento ao campo biomédico. A sociologia e a antropologia têm procurado transformar o “acontecimento biológico inevitável e irreversível da velhice em uma dimensão cultural e social”. (Soares, 2020, p. 36).
Há uma possível aceitação do corpo em degeneração, mas simultaneamente uma rejeição das concepções socialmente construídas da concomitante debilitação social e psicológica. Corpos são corpos de pessoas. O ciclo biológico da vida é apenas um dentre três elementos. O curso da vida na sua complexidade também inclui um curso social de vida e um curso de vida pessoal para cada ser humano, cada qual com seu começo e fim. (Idem, p. 38).
Autores que têm se debruçado no estudo dessa etapa da vida questionam a necessidade de se compreender este ser humano como potencialmente capaz, propondo a efetivação de uma verdadeira mudança de paradigmas, levando a sociedade e consequentemente os indivíduos a enxergarem possibilidades de realizações desta parcela cada vez mais crescente da população.
Jacob Levy Moreno (2020, p. 89) já nos anos 40 preocupava-se com o que denominou “morte social”.
Retomando o conceito de Átomo Social, podemos ter uma referência interessante não somente para definir a velhice, como para avaliar o grau de saúde socioemocional dos indivíduos.
Da mesma forma, vemos como a morte progride, a partir de suas concepções no átomo social, com relação às primeiras pessoas cuja morte experienciamos e dos pequenos choques que dela recebemos. (Moreno, 2020, p. 90)
Através da realização de estudos de átomos sociais de indivíduos no decorrer do tempo pode se mapear como a vida socioemocional vai se modificando, se vínculos “perdidos” são ou não “substituídos”, papéis abandonados ou perdidos, e papéis conquistados.
Levando-se em conta o que foi dito anteriormente, esta é a fase da vida em que na maioria das vezes mais perdas ocorrem na existência das pessoas, quer seja por morte, quer seja por perda de papéis.
Se for considerada a dificuldade de refazer vínculos e os estereótipos relacionados à velhice, associando-a a incapacidade e morte, a tendência é que se encontrem átomos mais empobrecidos e consequentemente indivíduos infelizes, menos espontâneos e criativos.
Moreno alerta: “quando conhecermos mais sobre os processos que acontecem nos átomos sociais dos indivíduos, poderemos inventar meios de reparar seus distúrbios”. (Idem, p. 90).
A partir da avaliação de átomos sociais que demonstrem as modificações que ocorrem no decorrer do tempo (passado, presente e perspectivas de futuro) pode se estruturar um trabalho de “ressignificação do eu”: a tomada de consciência das perdas sofridas e seus significados (passado – presente), e as possibilidades de recriação de vínculos e papéis (futuro). Um projeto que traga à consciência conservas culturais e que promova a espontaneidade e a criatividade. Enfim, uma proposta de vida.
Na medida em que o ser humano vive cada vez mais e que se alonga o tempo de velhice, torna-se um grande desperdício de potencial pessoal e social encarar essa etapa de vida como decrepitude à espera da morte. “Um homem morre quando seu átomo social morre”. (Idem, p. 91).
Conclusão
Neste momento, estou trazendo comigo aquela criança que se sensibilizava ao encontrar “velhinhos” solitários pela rua, entabulando longas conversas, dando a eles o afeto que percebia necessitarem. Mas, agora, proponho-me a dar-lhes algo mais: se quiserem, uma ressignificação do eu com a proposta de um envelhecimento saudável e digno.
Abraço e procuro realizar a proposta moreniana: “Talvez uma nova profissão se desenvolva com o tempo, os sociatras, que entre outros assuntos tratarão dos distúrbios socioatômicos”.
É inviável para o ser humano viver se ele para de pensar no amanhã. Não importa que seja um pensamento em torno do amanhã o mais ingênuo possível, mais imediato, não importa. O que importa é que somos de tal maneira constituídos que o presente, o passado e o futuro nos enlaçam. (Paulo Freire, citado em Almeida, 2005, p. 93).
Penso que neste momento, após estas reflexões, possa responder a minha colocação inicial: “como assim… não me vejo velha”.
Apesar de cronologicamente, burocraticamente e socialmente possa ser assim considerada, me sinto constituída pelo passado, vivendo o presente, e, principalmente com projetos futuros. Refiro me á dimensão Kairós, um tempo não-consensual, experimentado, colorido por mim mesma, aproveitado, saboreado, vivido em meu próprio tempo, vivido comigo mesma.
Este trabalho que acabo de resumir, e que venho desenvolvendo com grande alegria considero a mostra de minha “mocidade”.
Rosa Lidia Pontes
Maio 2024 – 72 anos cronológicos
Referências
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