Artigo escrito por Lucio Ferracini e publicado na Revista Brasileira de Psicodrama em junho de 2017.
“O objetivo deste artigo é analisar uma experiência de formação docente em saúde, utilizando-se a dramatização psicodramática na disciplina Processo Ensino-Aprendizagem do Programa Ensino em Ciências da Saúde. Buscou-se, com isso, compreender aspectos relevantes para o desenvolvimento do papel docente, bem como explorar o lugar da dramatização como recurso metodológico no processo educativo. O encontro, com três horas, foi filmado e transcrito para posterior análise temática. A dramatização psicodramática mostrou-se útil como estratégia de ensino-aprendizagem no processo de formação docente, no contexto das atuais políticas indutoras da formação profissional em saúde, contribuindo para a construção do conhecimento e superando o modelo transmissivo do saber.”
Artigo escrito por Rosa Lídia Pacheco Ferreira e publicado na Biblioteca da Uninove – Programa de Pós Graduação em Educação em 2006.
“O problema que norteou o presente trabalho foi o questionamento sobre a possibilidade de se estabelecer aproximações e, ou, complementaridades teóricas entre Edgar Morin e Jacob Levy Moreno, no que diz respeito, ao ser humano e seus aspectos relacionais, bem como, das possibilidades e necessidades educativas destes mesmos aspectos, visando a elaboração de um projeto educativo que integrasse teórica e metodologicamente os dois autores, com o objetivo de sensibilizar docentes para suas práticas relacionais com alunos. A pesquisa teórica enfocou, inicialmente, os posicionamentos dos dois autores em relação a: conhecimento, visão de Deus e da origem do homem e do universo, o homem como ser cósmico, a relação entre indivíduo e sociedade, a relação eu outro: possibilidades e dificuldades, o mundo interno e as inter relações, a criatividade nas relações. Encontradas importantes aproximações em relação a estes recortes selecionados, foram escolhidas três categorias educativas para análise: cegueiras no conhecimento relacional, incertezas relacionais, ensino da compreensão, verificadas as possibilidades de aproximação e complementaridade
também nestas categorias, passou-se para a segunda etapa que foi a elaboração de um projeto educativo integrando os dois autores, utilizando-se do Sociodrama como método, visando a sensibilização de docentes para seus aspectos relacionais com alunos.”
Artigo escrito por Maria Cristina E. Salto – Psicóloga Clínica e Hospitalar, Psicodramatista, Terapeuta de Alunos e Professora-Supervisora credenciada pela Febrap
O processo da Psicologia Hospitalar surgiu pela iniciativa de profissionais, demanda da população e pelas próprias instituições. Atualmente, os hospitais vêm se abrindo cada vez mais para a atuação dos psicólogos, valorizando a concepção do trabalho interdisciplinar e multiprofissional. A Psicologia Hospitalar tornou-se uma realidade na nossa profissão e na sociedade. Não se pode deixar de citá-la entre as áreas de Psicologia.
A Psicologia Hospitalar cresceu na medida em que voltou a se agregar aspectos emocionais e físicos da doença e a se enfatizar o caráter preventivo do cuidado com a saúde. O profissional deve ter uma visão filosófica humanista, na qual considera o homem em sua globalidade e integridade bio psico-social.
Sendo uma área relativamente nova, a instituição hospitalar muitas vezes não sabe o que pedir ao psicólogo e cabe a ele, mostrar o que pode oferecer em prol do paciente. Quando falamos de um paciente hospitalizado, devemos entender sua dinâmica psíquica, que pode influir na doença, hospitalização e na própria adesão ao tratamento, pois nem sempre o tratamento é visto por ele como uma experiência benéfica e desejável. Tratar a doença implica em ameaças à integridade física, auto-imagem, equilíbrio emocional e ao ajustamento a um novo meio físico e social.
Minimizar o sofrimento do paciente e de sua família é um dos objetivos do psicólogo hospitalar, além de ajudá-lo a lidar melhor com a doença. O trabalho focado e praticado em salas de espera, ambulatórios, enfermarias, unidades de internação, unidades de terapia intensiva, em pronto socorro e com grupos psico-educativos tem sido a meta dos psicólogos dentro de um hospital.
A relevância dos aspectos psicológicos associados à busca e manutenção da saúde, tanto de psicólogos hospitalares, como de outros profissionais ligados a essa área são de fundamental importância. Por isso, é necessário que os profissionais atuem em equipe multidisciplinar, visando à compreensão dos processos sociais e psicológicos do paciente, além do reconhecimento de fatores psíquicos que interferem em seus quadros clínicos.
Dentro de uma visão psicodramática, podemos desenvolver a espontaneidade dos pacientes, no que se refere à capacidade de dar respostas adequadas frente ao contexto em que se encontra. Jacob Levy Moreno, autor do Psicodrama, nos oferece ainda alguns conceitos que podem ser desenvolvidos no contexto hospitalar, desde a Teoria da Matriz de Identidade onde se permite identificar em qual fase de desenvolvimento o paciente se encontra até a quebra de paradigmas (conservas culturais) e o fortalecimento de seus papéis inter-relações.
Artigo escrito por Rosa Cukier
Sumário: o objetivo deste trabalho é discutir a insalubridade das profissões de “ajuda ao outro” e a relação entre o estresse do terapeuta e o abuso profissional. A autora questiona se a escolha da profissão é realmente uma escolha ou um destino anunciado desde a infância, através das disfuncionalidades da família primária do psicoterapeuta. São também discutidas outras forças sistêmicas que atuam sobre os profissionais destas áreas, tais como: pressões advindas do cliente e de sua patologia, condições adversas de trabalho, má inserção sociométrica do profissional, demandas de afeto e atenção da família atual, pressões da família de origem, etc. A necessidade do psicoterapeuta advogar em causa própria e cuidar bem de si mesmo é enfatizada enquanto condição “si ne qua non” para realmente “ajudar o outro”.
Unitermos: Estresse Pós-traumático Secundário; Profissão de Psicoterapeuta, Abuso Profissional.
Summary: The purpose of this article is to discuss the fact that psychotherapists as any heath professional, by the nature of their duties and responsibilities, are at risk of experiencing secondary trauma stress. The author describes many stress factors like the client’s pathology, the Family of origin issues, the present family’s demands of attention and care, the sociometric problems, the work system pressures, etc. Prevention and self-care are the final topic of this article.
Uniterms: Secondary Traumatic Stress Disorder, Psychotherapy, Professional Abuse.
Muitas vezes amigos e conhecidos meus, leigos na temática das psicoterapias, me perguntaram se não levo os problemas dos meus pacientes para casa. De algum modo parecem pensar que nós, psicoterapeutas, saímos preocupados do consultório e mal podermos dormir carregando os problemas alheios.
Sempre respondi tranquilamente dizendo que não é exatamente assim, pois, para que alguém seja terapeuta se exige um treinamento profissional rigoroso que habilita o profissional a separar os conteúdos que são seus daqueles que pertencem aos seus pacientes.
Boa resposta talvez, para leigos ¾ que assim continuam igualmente leigos porém profundamente admirados desta nossa habilidade asséptica ¾ mas muito incompleta se quisermos realmente adentrar a natureza profunda desta questão. Até mesmo Freud (1910: 1565) que definiu o fenômeno da contratransferência, como “a resposta emocional do terapeuta para com seu cliente”, foi superficial nesta análise.
Mais recentemente, entretanto, e em função dos estudos sobre estresse profissional e violência e suas sequelas traumáticas, um número crescente de autores têm descrito um tipo de doença biopsico-social que acomete pessoas que cuidam de pessoas traumatizadas. Esta “doença” tem muitos nomes na literatura (Fiqley, 1995. 9): “Estresse Pós Traumático Secundário”, “Vitimização Secundária”, “Co-vitimização; Traumatização Vicariante”, “Contágio Emocional”, “Efeitos Generacionais do Trauma”, “Síndrome do Salvador”, “Fadiga da Compaixão”, “Síndrome do Terapeuta Queimado (burnot), etc.
O foco do estudo destes autores não é o paciente e como ele pode ser prejudicado pelo terapeuta, mas ao contrário, como a profissão de psicoterapeuta pode ser insalubre e ter um custo pessoal ao próprio terapeuta.
Existem semelhanças entre os diferentes quadros de estresse profissional, sobretudo quando o estresse é relacionado com excesso e más condições de trabalho. Mas há características específicas de insalubridade que ocorrem nas profissões de ajuda ao
outro e é nessa especificidade que eu quero focar este artigo. Tomar contato com o trauma alheio e tentar ajudar pessoas traumatizadas de alguma forma provoca um estresse profundo na pessoa que cuida e ironicamente, tanto mais sensível e dedicada ela for mais será vulnerável a este efeito-espelho da dor alheia.
Neste sentido escolhi o termo “Síndrome do Estresse Pós-traumático Secundário” pois, a meu ver é o que melhor expressa o que ocorre na área das psicoterapias e, Fadiga do Psicoterapeuta, como o nome popular que melhor se adapta a versão em português.
O que é estresse pós-traumático secundário
O Manual Estatístico e Diagnóstico – DSM III da Associação Americana de Psiquiatria (1.989,264-267) incluiu pela primeira vez em 1980, o diagnóstico de Desordem do Estresse Pós-traumático (DEPT), para descrever sintomas que afetam pessoas que passaram por um acontecimento psicologicamente doloroso. Incluem-se nesta categoria acontecimentos fora da faixa habitual da experiência humana, que representam sérias ameaças à vida da pessoa ou a de seus filhos e parentes próximos, tais como desastres naturais (terremotos, acidentes) ou desastres deliberados (tortura abuso de poder).
Este manual também esclarece que o trauma pode ser vivenciado diretamente ou secundariamente através da tomada de conhecimento de ameaças e danos à integridade física de amigos, parentes ou pessoas próximas.
O DEPTS – Desordem do Estresse Pós Traumático Secundário pode então ser definido como os comportamentos e emoções naturais resultantes da tomada de conhecimento de eventos traumatizantes experimentados por outros significativos.
Consiste num processo de exaustão emocional gradual, relacionada a um trabalhar excessivo, mas que não se resolve com férias apenas. É uma erosão gradual do espírito do terapeuta e envolve uma perda de confiança e fé na própria capacidade de ajudar. AvalaPines (1.993: 386-402) acha que somente os profissionais que tem altos ideais e motivações experimentam esta síndrome, como se ela representasse uma tensão entre a necessidade de ajudar do profissional e os problemas reais envolvidos no trato de pessoas. Kahill (1.989), revendo a pesquisa empírica sobre esta síndrome identifica cinco categorias de sintomas:
QUEM É VULNERÁVEL À DEPTS?
Sinteticamente falando são potencialmente vulneráveis a esta traumatização por contágio, todos os profissionais que têm na empatia a sua ferramenta fundamental de trabalho e todas as pessoas que estão em contato regular com pessoas traumatizadas. São as “profissões de ajuda ao outro” tais como: bombeiros, policiais e militares, equipes de resgate e emergências, e todas as profissões ligadas à saúde, tais como: enfermagem, medicina, e especialmente a psicologia e psiquiatria.
Há muitas razões pelas quais estas duas últimas categorias profissionais sejam as mais atingidas, desde as razões ligadas à escolha da profissão, até as relacionadas às condições peculiares de trabalho.
SER TERAPEUTA: ESCOLHA OU DESTINO?
Alice Miller (1.997: 30-35) acha que escolher uma profissão de ajuda ao outro, sobretudo a de psicoterapeuta, é mais uma questão de destino do que de escolha propriamente dita. Ela se refere ao fato de que a maior parte dos terapeutas vêm de famílias disfuncionais onde, desde pequenos, foram os auxiliares de algum adulto menos potente que os convocava, direta ou indiretamente, para esta função. Treinados engenhosamente para estarem a serviço de alguém, desde a infância estas pessoas desenvolveram sua capacidade empática, sua sensibilidade que será seu instrumento preferido de trabalho no futuro.
A empatia, recurso essencial para acessar o cliente e planejar uma estratégia de ação, faz com que os profissionais troquem de lugar com as vítimas só que, assim fazendo, experimentam indiretamente os mesmos eventos que traumatizaram seus clientes. Além disso, o trauma não resolvido do profissional será ativado pelo relato de uma experiência similar vinda do paciente, especialmente se consistir de um trauma infantil, provavelmente pela maior vulnerabilidade da criança pela rememoração da própria infância. Muitos autores estudam as características das pessoas que escolhem estas profissões. Altos ideais e corações generosos são os traços destacados por Grosch e Olsen (1994: IX) que concluem que os estudantes de psicologia e psiquiatria compõe um grupo de jovens otimistas e onipotentes desejosos não apenas por ganhar dinheiro, mas sim mudar o mundo e que acreditam que depois de um treinamento árduo e juntamente com compaixão e cuidado, poderão ajudar a transformar a vida das pessoas a quem estão cuidando.
Freudenberg, H. (1.980) descreve o “Tipo A” de personalidade que aglomera traços díspares tais como: alto idealismo e performance e baixa autoestima, o que faz com que pessoas deste tipo trabalhem cada vez mais arduamente para se sentirem mais adequados. São profissionais excessivamente dedicados que tendem a exigir muito de si mesmos substituindo, muitas vezes, suas vidas sociais pelo trabalho. Alguns psicanalistas (Allen, 1979, 42.171-175) acreditam que o sucesso na carreira pode compensar desapontamentos infantis, como por exemplo rivalidades fraternas não resolvidas ou representar uma vitória edipiana tardia.
Em nosso meio, Victor C. Dias (1.987: 187-195) chama atenção para a solidão do psicoterapeuta que, acostumado a privilegiar uma comunicação franca e sincera, desprovida das habituais dissimulações e hipocrisias sociais, acaba por restringir seus relacionamentos a pessoas que também se comunicam assim, ou seja, pessoas que também se submeteram à terapia. Esta é uma armadilha que resulta num terapeuta cada vez mais solitário e com uma tendência à arrogância, inadequação e agressividade sociais.
O QUE ESTRESSA O PROFISSIONAL?
A teoria sistêmica busca entender a pessoa através do impacto que os sistemas que a envolvem têm em sua vida. O conceito de causalidade circular parece útil de se aplicar nesta questão da fadiga do terapeuta.
PROBLEMAS DE MERCADO E CONDIÇÕES DE TRABALHO
PRESSÕES DO CLIENTE
Figura 1: O multi sistema de pressões sobre o profissional de ajuda
Esta figura denota pressões vindas de vários sistemas de relações que envolvem o profissional de saúde.
Além do mais há uma outra situação muito comum a nós psicoterapeutas e oportunamente descrita por Grosh e Olsen (1.994): enquanto passamos horas e horas ouvindo e sendo empáticos a outras pessoas, nossas próprias famílias e nós mesmos nos descuidamos. Depois de um longo dia vendo pacientes, quantos de nós se sentem realmente dispostos a lidar com as queixas cotidianas de nossos filhos e companheiros, ou ainda, quantos de nós tem disposição de fazer ginástica ou uma refeição equilibrada? Num estudo conduzido por Michael Mahonev, problemas como sobrepeso, dificuldades de conciliar o sono, exaustão generalizada, foram algumas das queixas frequentes dentre os psicoterapeutas entrevistados.
Heróis sensíveis dos clientes nos transformamos, subitamente, em participantes relapsos de nossos sistemas familiares e cuidadores negligentes de nossos próprios corpos.
O ambiente profissional é extremamente propício para se tornar uma segunda família, onde as pessoas em geral jogam ou tentam jogar papéis semelhantes àqueles da família de origem e onde esperam terminar, mas só conseguem repetir, a dramática emoção de outrora.
O trabalho de um psicoterapeuta implica em um constante “ligar-se e desligar-se afetivo” à outra pessoa. Muitas vezes no auge de um processo terapêutico que julgamos correr bem, o paciente abandona a terapia ou é retirado do processo pelos pais pagantes, de forma abrupta, sem explicações o que dificulta o trabalho de perda e luto que qualquer desligamento demanda. Sobretudo terapeutas jovens se ressentem profundamente destas perdas solitárias, desde o súbito desinvestimento de uma relação que supunham forte e produtiva.
E mesmo aqueles que trabalham em consultório particular amargam muitas vezes a falta de clientes pagantes, a baixa remuneração dos convênios médicos, a instabilidade própria de uma carreira liberal carecendo, consequentemente, de gratificação com a vida profissional.
ABUSO PROFISSIONAL E FADIGA DO TERAPEUTA
O estresse do terapeuta pode resultar num atendimento negligente e abusivo do paciente. Há colegas que compensam a baixa remuneração por consulta, atendendo muitos pacientes num mesmo dia, ou organizando grupos com número excessivo de pessoas, em detrimento da qualidade do trabalho e de sua própria saúde pessoal.
As expectativas irrealistas do terapeuta podem também abranger o crescimento do cliente. Uma certa urgência a em ser visto como útil e assegurado de sua habilidade profissional pode transformar a compaixão do terapeuta em pressão para que o paciente efetive mudanças em sua vida. Por outro lado, a piora do paciente pode levar o terapeuta a se sentir ineficiente e frustrado. Willian Groch e David Olsen (1994: 57) partindo das colocações de Kohut a respeito da questão narcísica descrevem a arrogância e o “Complexo de Deus” de alguns psicoterapeutas. Acreditam que os psicoterapeutas que não tiverem suficiente espelhamento e empatia em seus primeiros anos infantis, podem compensar o seu desejo de ser apreciado e admirado utilizando o paciente para este papel complementar.
Neste sentido, é paradoxal o objetivo das carreiras de ajuda ao outro, por um lado representam uma forma de transcender a si mesmo, por outro podem bem estar a serviço de obter a admiração alheia.
Lidar com pessoas que tendem a nos idealizar leva a dois tipos de erros mais comuns: 1 – podemos assumir que elas estão corretas, que somos maravilhosos mesmos e continuar fazendo coisas para que elas continuam pensando assim; 2 – podemos ficar tão ansiosos com esta carga de idealização que podemos fazer tudo para decepcioná-las agindo erradamente, cometendo erros estúpidos, ou nos colocando muito simétricos com o paciente.
Na realidade, o papel de terapeuta confere um certo poder que devemos estar preparados para assumir, sem exageros e durante algum tempo apenas. Nunca me esqueço de um supervisor que me dizia para faltar de vez em quando e nem sempre repor sessões. As imperfeições do terapeuta servem para corrigir esta idealização excessiva do paciente.
CONCLUSÃO: PREVENÇÃO E TRATAMENTO
Terapeutas podem recorrer a vários recursos para cuidarem de sua saúde pessoal, mas todos invariavelmente implicam numa mudança da rotina do trabalho e da vida. Dosar melhor o número de pacientes atendidos, deixar espaços de tempo razoáveis para alimentação, exercício físico, etc. são alguns destes recursos que por simples que pareçam, são tremendamente difíceis de serem implantados.
Não se trata apenas de trabalhar menos, é preciso substituir uma parte da confirmação financeira, profissional e narcísica que advém de uma agenda lotada, pela consciência crescente de que somos tão vulneráveis quanto nossos pacientes e de que é impossível advogar causas alheias se não cuidarmos das próprias.
Mesclar atividades de atendimento ao cliente com atividades didáticas como dar aulas, palestras ou trabalho institucional é um outro recurso desejável. Faz o terapeuta se locomover, conversar com outras pessoas, entrar em relações mais simétricas do que aquelas que estabelece com o paciente.
Grupos de terapia e supervisão são também muito importantes, desde que representem um lugar seguro onde o profissional pode se expor sem temer retaliações e críticas pessoais. Um bom grupo de supervisão não excede a meu ver, 6 ou 7 colegas e implica num trabalho íntimo de construção do papel profissional. Grupos muito grandes facilitam idealizações e defesas que acabam por destruir a genuinidade das informações.
Uma outra forma de suporte grupal que diminui o isolamento profissional é organizar pequenos grupos de estudo sobre um tema escolhido conjuntamente. Estes “grupos de iguais”, além de serem produtivos no sentido de reciclar os profissionais e produzir trabalhos escritos, têm a vantagem de propiciar uma relação simétrica menos formal que a supervisão. Quase que naturalmente os colegas compartilham suas dificuldades na clínica e oferecem continência emocional para questões delicadas como; falta de clientes, sessões que pareceram mal conduzidas, “amores e ódios do terapeuta para os clientes”, dicas para um atendimento que nos preocupa, etc. Pessoalmente, sou fortemente favorável a este recurso.
Participar de congressos, vivências e pesquisas dentro da área de trabalho também ajudam o terapeuta a manter um interesse saudável em sua prática pessoal.
Acho extremamente importante reconhecermos estas questões ligadas ao nosso desempenho profissional e gostaria de vê-las debatidas com mais frequência em nossos congressos. Acredito que exista muita vergonha associada a esta discussão, uma vez que parecemos meio semideus uns aos outros, e admitir nossas necessidades pode bem ser confundido com algum tipo de falha ou defeito pessoal.
O mito grego do deus da saúde e pai da medicina Asklepios, me ajuda a encerrar este texto. Asklepios, filho do Deus Apolo com a mortal Koronis, foi ferido antes de nascer; seu pai Apolo, numa crise de ciúmes após saber que Koronis o traíra, mandou queimá-la viva. Ao saber, entretanto, que estava grávida, arrancou o bebe de seu ventre e o entregou a Chiron, o centauro, para educá-lo e treiná-lo na arte da cura.
Chiron por seu lado era meio humano e meio divino e sofria de uma ferida incurável que lhe foi conferida por Hércules. Assim, Quíron, o curandeiro que necessitava curar a si mesmo, passou a Asklepios a arte de curar, a capacidade de encontrar sementes de luz e de se sentir à vontade na escuridão do sofrimento.
O paradoxo das profissões de ajuda ao outro é que o curandeiro cura mas ao mesmo tempo permanece ferido. Não existe ser humano sem feridas e nossas psicoterapias, por melhor excelência que tenham, não nos excluem de nossa própria humanidade.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
Psicóloga, psicoterapeuta – psicodramatista, terapeuta de alunos, professora-supervisora pela SOPSP e pelo Instituto de Psicodrama Jacob Levy Moreno, SP.
Freud, 8 (1910) – El Porvenir de La Psicoanalitica.
Manual do Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais, 3ª. Edição – Revista DSMIII – R. Editora Manole Ltda., 1989 pp 264-267.
Pines, Ayala – Burnout: Handbook of Stress.
Kahill, S. (1988) – Interventions for Burnout in the helping professions: A review of empirical evidence. Canadian Journal for Counseling Review, 22 (3), 310-342.
Miller, A. (1997) – O Drama da Criança Bem Dotada.
Freudenberquer, H. (1980) – Burnout: the high cost of high achievement. Allen, (1979) – Hidden stresses in success, Psychiatry, 42.171-175. Dias, Victor R.C.S. (1987) – Psicodrama – Teoria e Prática.
Causalidade circular: todos no sistema estão relacionados, portanto qualquer mudança afeta todos os indivíduos e o sistema como um todo.
Mahonev, Michael – Comunicação pessoal em workshop sobre a “Vida Pe3ssoal dos Psicoterapeutas”. É médico, PHD pela Universidade de Stanford e autor de vários livros dentro da abordagem cognitiva e constructivista.
Berkowtz (1987) – Therapist survival maximizing generativity and miniminzing burnout. Psychotherapy in Private Practice 5 (1), 85-89.
Willian Grosch and David Olsen (1994) – When Helping Starts to Hurt. Stanton, J.A. (1999) – Aesculaplus: A Modern Tale
Artigo escrito por José Manoel D’Alessandro – Professor Supervisor da ABPS na década de 1920
Em Viena, o psiquiatra Jacob Levi Moreno cria o Psicodrama. Tal criação é resultante da união de seu trabalho clínico de consultório com sua atividade como diretor do que ele mesmo denominou de Teatro Espontâneo, que consiste na apresentação de peças teatrais sem texto prévio. Ou seja, a partir de um tema, ou de um ou mais personagens imaginados, os atores espontâneos que emergem da platéia vão escrevendo uma peça à medida que a encenam. Com sua visão clínica, percebe que tais representações dramáticas sem texto prévio têm a capacidade de produzir mudanças comportamentais nos atores. Descobre então, que pode dirigir as representações espontâneas para uma finalidade psicoterápica. A partir dessa descoberta desenvolve um método de psicoterapia que tem como ação central a dramatização espontânea. Desenvolve também uma teoria psicológica. De uma forma simples, dizemos que o Psicodrama se baseia no jogo de faz de conta, que surge naturalmente no ser humano. A natureza oferece à espécie humana a capacidade de realizar ações simbólicas. Normalmente a criança, a partir dos 4 ou 5 anos de idade, resolve muitas de suas dificuldades e correspondentes tensões emocionais realizando sessões de faz de conta. O Psicodrama é, pois, uma teoria psicológica e um método psicoterapêutico que tem como instrumento central a ação simbólica, ou jogo de faz de conta, ou dramatização, na qual tudo é possível. Pode-se viver qualquer tipo de emoção, qualquer situação próxima à realidade ou as fantasias mais complexas ou absurdas. Pode-se matar, pode-se morrer. Diferentemente das psicoterapias normalmente verbais, o Psicodrama faz intervir manifestamente o corpo em suas variadas expressões e interações com outros corpos. No Psicodrama não se deixa de lado o verbal, mas pelo contrário, hierarquizam-se as palavras em um contexto mais amplo, como é o dos atos, “O Psicodrama, ademais, é uma técnica de psicoterapia direta, isto é, nela o processo terapêutico se realiza no aqui e agora, com todos os elementos emocionais constitutivos da situação patológica que se expressam através dos personagens e circunstâncias concorrentes”.(J.G. Rojas Bermudez) Embora em certas situações as sessões de Psicodrama possam ser individuais, o método se realiza plenamente em grupo. “Historicamente, o Psicodrama representa o ponto decisivo da passagem do tratamento do indivíduo isolado para o tratamento do indivíduo com métodos verbais para o tratamento com métodos de ação.” (J.L. Moreno) Como vemos, a ação é o que se busca objetivar. A ação do passado, por exemplo, é uma recordação da infância, objetivada através da ação presente. O Psicodrama é fenomenológico gestáltico. Não interpreta. Procura criar condições, através do jogo de faz de conta, para que o fenômeno ocorra no aqui e agora. Dividimos a atividade psicodramática em duas áreas: a área psicoterapêutica e a área pedagógica. Na área terapêutica o Psicodrama demonstra ser um valioso método para evidenciar as defesas conscientes e inconscientes do paciente, bem como suas condutas e quadros patológicos” (J.G. Rojas-Bermudez). Ainda na área da psicoterapia temos a dizer que o Psicodrama tem as seguintes formas: grupo formado por clientes que procuram psicoterapeuta (que normalmente deve ser um médico psiquiatra ou psicólogo clínico) que é quem organiza o grupo, de acordo com certos critérios clínicos: grupo de pacientes de uma instituição tipo hospital-dia, ambulatórios, etc.; grupo familiar (Sociodrama familiar). Psicodrama público, que se constitui de um grupo formado a partir de um convite público para participar de uma única sessão. Na área pedagógica o Psicodrama pode tornar as mais variadas formas, de acordo com a finalidade: ensino; orientação pedagógica e educacional; seleção e treinamento de pessoal. As dinâmicas que surgem nos grupos permitem uma intervenção adequada no desenvolvimento de determinado papel, dependendo do contexto organizacional: empresas, escolas ou qualquer outro tipo de instituição. J.L. Moreno, como vimos, foi o criador do Psicodrama. Já no ano de 1930 mudou-se de Viena para os Estados Unidos da América, onde se realizou em Beacon, próximo a Nova York. Foi nesse país que desenvolveu a maior parte de seu trabalho clínico e onde escreveu seus livros. O Psicodrama se iniciou no Brasil na cidade de São Paulo, na década de 60, através da psicóloga e socióloga Iris Soares de Azevedo. No ano de 1968 é fundado o grupo de Estudos de Psicodrama de São Paulo (GEPSP), que patrocinou cursos de formação de psicodramatistas, tanto na área clínica quanto na área pedagógica. Esses cursos foram ministrados por uma equipe de psicodramatistas de Buenos Aires, pertencentes à Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, liderada pelo psiquiatra Jaime Guilhermo Rojas Bermudez. Após a formação da primeira turma é fundada, em 1971, a Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama – ABPS. Desde então, vem realizando duas atividades de formação e aperfeiçoamento de psicodramatistas. A ABPS conta hoje com aproximadamente 50 professores e supervisores formados e com os diversos professores convidados em seu corpo docente. Atualmente ministra os cursos de especialização em Psicodrama terapêutico e Psicodrama aplicado, além de cursos de extensão e núcleos de supervisão.
Artigo escrito por Armando Oliveira Neto – Professor Supervisor da ABPS
Quando pensamos em atividade psíquica, obrigatoriamente relacioná-la à atividade cerebral. Hoje podemos avaliá-la, e até mesmo dimensioná-la por meio da Tomografia de Emissão de Positron (T.E.P). Por meio deste exame laboratorial, podemos flagrar a atividade do Sistema Nervoso Central. Desta forma obtemos uma imagem tomográfica do cérebro em atividade funcional, ampliando o nosso conhecimento sobre a atividade da função mental, como por exemplo, a noção que nosso cérebro funciona em sistemas de redes neuronais. Uma das implicações deste conhecimento é que não mais tem sentido a classificação das ações em racionais ou emocionais. Um outro aspecto a ser considerado é a capacidade intrínseca do S.N.C, entendendo aqui o neurônio, de se reorganizar. Isto nos lança à microscopia: células neuronais mudando seus prolongamentos axonais, suas membranas, como os respectivos receptores, tudo isso coordenado pelos núcleos celulares, os genes. No momento só podemos estabelecer modelos teóricos desta leitura, que o futuro responderá e nos orientará a respeito. As psicoterapias, em seus objetivos maiores, procuram promover mudanças nos arranjos do mundo intrapsíquico, em última análise de sistemas em redes neuronais. A Psicanálise, ao desvendar os complexos inconscientes, procura reorganizar as forças dos valores afetivos envolvidos nas vivências. A Gestalt-terapia tenta reordenar os elementos perceptivos, formulando novas gestaltnes. A Análise Transacional denuncia os jogos ocultos, procurando uma nova estrutura transacional. O Psicodrama objetiva a espontaneidade, a procura de novas alternativas a antigos, ou novos, conflitos relacionais. Retornando ao cérebro, isto significa que um novo arranjo de ligações das redes neuronais, uma nova configuração do S.N.C., deva ser alcançado no processo psicoterapêutico. O psicodramatista deve acompanhar os novos conhecimentos científicos, atualizando, reformulando e adequando conceitos, como o da Espontaneidade, apresentado aqui. Um outro exemplo de atualização é a Teoria da Matriz de Identidade, que permite uma importante aproximação com esta leitura, que pretendo apresentar em outra oportunidade.